Opinião
pública: proposta de discussão conceitual
Maurício Siaines [1]
A palavra “opinião” tem sido traiçoeira, especialmente
desde que Pierre Bourdieu declarou que a opinião não existe[2]. O
artigo de Bourdieu, porém, era uma crítica à postura de atribuir-se às
pesquisas de opinião um valor que elas não têm como instrumentos da ciência social,
além de criticar o pressuposto de que todas as pessoas têm uma opinião
racionalmente refletida e verificada.
“O sociólogo [Pierre
Bourdieu] mostrava que a pesquisa de opinião (...) postulava, o que está longe
de ser empiricamente verificado, a saber: todos os indivíduos têm uma opinião,
colocam-se a questão que lhes é formulada (ou, pelo menos, são capazes de se
colocarem tal questão) e, enfim, todas as opiniões são equivalentes do ponto de
vista social”[3]
Existe, no entanto, um fenômeno social, que às vezes é
chamado de opinião, às vezes de tendência, às vezes considerado como uma
inclinação, que vale a pena ser estudado e que, por deferência ao hábito
consagrado, será chamado aqui de opinião, ou opinião pública.
O primeiro conceito de opinião aqui considerado foi
definido por Jean Jacques Rousseau, quando se gestavam idéias e visões de mundo
que orientaram o processo histórico chamado de Revolução Francesa, ou seja,
quando nascia o mundo contemporâneo. Discutindo as espécies de lei que regem a
vida política e as relações entre os cidadãos, Rousseau diz o seguinte:
A
essas três espécies [de lei] se junta uma quarta, de todas a mais importante,
que não se esculpe no mármore, ou no bronze, mas sim no peito dos cidadãos; que
forma a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias medra em forças;
que reanima e supre as outras leis quando elas envelhecem e se apagam; que
conserva um povo no espírito de sua instituição, e insensivelmente substitui a
força do hábito à força da autoridade. Falo dos costumes, usos e mormente da opinião, parte desconhecida de nossos
políticos, e da qual depende o acerto de todas as outras; parte de que o grande
legislador se ocupa em segredo, enquanto parece limitar-se a estatutos
particulares, que são unicamente o arco das abóbada, da qual os costumes,
lentos em nascer, formam finalmente a duradoura chave.[4]
O objetivo deste artigo é refletir sobre o processo de
formação da opinião coletiva, isto é, nas palavras de Rousseau, sobre o modo
como ela “(...) se esculpe no peito dos cidadãos (...)”, tentando entender sua lógica e que caminhos percorre. Embora
seja coletiva, é difícil abordar a opinião somente com a perspectiva social.
Tratá-la somente como algo individual traz também limitações. Trata-se de
fenômeno que acontece no limite entre o individual e o social.
Iniciando a discussão, consideremos da seguinte definição
de opinião:
(...) As
opiniões podem ser adquiridas de muitas maneiras, dentre as quais as deduções
lógicas a partir de premissas objetivas ou observações empíricas constituem,
por vezes, apenas um fator. Muitos sustentam suas opiniões por hábito, ou as
aceitam com base na autoridade dos outros. O requisito essencial é que em seu
conteúdo interno elas sejam compatíveis com alguma interpretação defensável de
dados públicos, e que possam ser obtidas pelos processos normais da razão.
Sejam formuladas ou
adquiridas, as opiniões têm suas raízes no conceito afim de atitude. Uma
opinião pode, de fato, ser descrita como uma atitude expressa, talvez
modificada pela necessidade de lhe dar uma expressão irretorquível. A própria
atitude é outra idéia complexa na qual certos elementos comuns participam de
dezenas de definições detalhadas. O primeiro ponto é que atitudes são estados
mentais internos, refletidos na inclinação a responder a estímulos externos de
maneira favorável ou desfavorável. As atitudes consubstanciam uma avaliação
básica do mundo – uma combinação de crenças acerca da “realidade”, em conjunto
com julgamentos morais de aprovação ou desaprovação, simpatias e aversões.
Não existe
correlação exata entre o conjunto de atitudes de um indivíduo e a sua opinião
expressa a respeito de uma situação específica. Isso porque a opinião
pronunciada pode derivar de duas atitudes possivelmente conflitantes – uma em
relação ao próprio estímulo e a outra às circunstâncias em que deve ser
expressa.[5]
Esta definição se faz nesse limite entre indivíduo e
sociedade, o que leva à pergunta se há oposição entre um e outro, entre
indivíduo e sociedade. Pode-se dizer que um indivíduo pode raciocinar da
seguinte maneira: “deparo-me com esta questão em diferentes circunstâncias e,
quando penso que encontrei uma equação adequada para resolvê-la, como um
fantasma, ela aparece outra vez sob nova forma. Tenho uma explicação para tal
dificuldade: estou completamente envolvido na questão, uma vez que eu, sujeito
do discurso que pretende ter essa relação como objeto, estou completamente
envolvido por ela, já que sou um indivíduo vivendo inúmeras relações sociais,
isto é, faço parte do objeto”. Assim, é muito forte a tendência a tratar a
questão como um (pré) conceito e não como um objeto, o que leva a redundâncias,
a caminhos recorrentes.
Indivíduo e
sociedade
Existe a
complexidade da discussão da relação entre indivíduo e sociedade, embora ela se
esconda, às vezes atrás de banalizações e preconceitos. Cabe, pois, aqui
recorrer ao tratamento dado à questão por alguns pensadores.
a) A psicanálise e a sociologia
Norbert Elias
começa a esclarecer essa questão, com recurso à psicanálise, quando mostra que
a oposição entre indivíduo e sociedade é uma impressão que se vive como uma
tensão entre “os desejos do indivíduo parcialmente controlados pelo
inconsciente e as exigências sociais representadas por seu superego”[6].
Ou seja, a contradição é ilusória, uma vez que indivíduo e sociedade são
indissociáveis. O indivíduo, a partir de circunstâncias sociais e históricas em
que se percebe sujeito, tende a considerar o que está fora de si como objeto,
inclusive a sociedade.
Elias entende a
sociedade como uma espécie de tecido cujos fios estão em movimento e se atam,
desatam e tornam a atar-se. E essa rede é um fato externo ao indivíduo, no
sentido em que ela existe antes de qualquer indivíduo, mas que só pode existir
em função dos indivíduos porque são eles que permanentemente a recriam.
Analisando a
história de vida do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791),
Elias aplica esse modo de entender a relação humana, trazendo resultados
importantes. Descreve como a música lhe é ensinada quase que desde sua vida
intra-uterina. Em seguida, interpreta a maneira como Mozart sublima suas
energias para a produção musical. Mas qual música? Aí começa a questão.
A música
deveria ser aquela adequada à sociedade de corte, atender ao gosto dos aristocratas,
que protegiam e empregavam os artistas. Mas o dom artístico de Mozart leva-o por
outros caminhos.
Aqui cabe um
parêntese para discutir o que vem a ser dom. É como se fosse um código que
conduzisse a sublimação[7] de
energias de uma determinada maneira, com um determinado objeto, usando
determinado material. O dom, diz Elias, seja o de um gênio como Mozart ou o de
uma pessoa comum, é fato social [8].
Essa maneira como a energia do indivíduo é conduzida é socialmente construída.
Mozart deseja
que seu dom artístico seja reconhecido pela corte vienense. Ambiciona o reconhecimento
da corte e, não o conseguindo, frustra-se mortalmente, embora existissem outras
possibilidades de vida como músico.
O empenho de
Mozart era por deixar de ser um outsider. Pretendia ser um músico autônomo,
não dependente da corte. Dizer que aspirava ser um músico burguês é correr o
risco de cair em uma grande simplificação. Usando expressão de Bourdieu [9],
há uma homologia entre o campo da arte e o da luta de classes. A luta de Mozart
era homóloga à da burguesia em sua luta com a aristocracia.
Elias diz que pretende
evitar a “fórmula pré-fabricada” da interpretação da ascensão da burguesia como
“decorrência de uma necessidade interna do desenvolvimento social” porque a
maneira mecânica como essa interpretação tem sido aplicada tem levado a perda
de vista da complexidade dos acontecimentos reais[10].
b) Materialismo dialético
Outra
contribuição ao debate da questão da relação entre indivíduo e sociedade é a de
Gueórgui Valentínovitch Plekhánov, pensador marxista, fundador do Partido
Operário Social-Democrata Russo. O líder da Revolução Russa de 1917, Vladimir
Ilich Lênin, teve reconhecidamente em Plekhánov um mentor intelectual, de quem
se afasta politicamente em 1903, quando, no segundo congresso do partido,
acontece a ruptura entre mencheviques e bolcheviques, colocando-se os dois em
facções diferentes. Esta diferença, no entanto, não impediu que Lênin
reconhecesse publicamente a importância que Plekhánov tivera na formação dos marxistas
russos, mesmo tendo ele se oposto à revolução de 7 de novembro de 1917.
No Brasil,
antes de 1964, a
Editora Vitória, ligada ao Partido Comunista Brasileiro, publicou um livro com
dois ensaios de Plekhánov, com o título do primeiro deles: Concepção
materialista da história. O segundo ensaio era O papel do indivíduo na
história, escrito em 1896.
Toda esta
introdução para falar de Plekhánov se justifica principalmente porque se trata
de pensador importante, anterior às banalizações do pensamento marxista
produzidas a partir do período stalinista.
Plekhánov [11]
fala em uma lógica das relações sociais, que condiciona os homens a pensar,
sentir e agir de determinada maneira. Essas relações estão sujeitas a
transformações dotadas de sentido criado pelas mudanças nos processos econômico
e social de produção. Entender esse sentido é a principal missão do indivíduo
que deseja transformar a sociedade, é ter a consciência
da necessidade do fenômeno [12].
Plekhánov
quando apresenta essas reflexões considera apenas o indivíduo que quer fazer
história, modificar a sociedade, o militante revolucionário ou o estadista. Não
trata do indivíduo comum ou do artista, que também estão dentro daquelas
relações sociais.
Depois de Plekhánov o
indivíduo foi pouco levado em conta pelo marxismo. Para parcela considerável da
opinião marxista, pensar a individualidade tangenciou a heresia.
c) Ilusão, habitus,
individualidade
Na discussão
da relação entre indivíduo e sociedade, é interessante considerar as reflexões
de Pierre Bourdieu a respeito dos problemas que podem surgir do crédito
irrestrito às histórias de vida como fonte de conhecimento histórico e social.
Diz ele que a sociedade dispõe de “instituições de totalização e de unificação
do eu” [13],
que constroem a ilusão de um eu
monolítico. Assim, os relatos biográficos e principalmente os
autobiográficos tendem a construir uma continuidade, quando na realidade o que
há é descontinuidade.
O nome próprio
é uma dessas instituições de unificação do indivíduo, através de uma constância.
Seja em que circunstância for, o indivíduo tem o mesmo nome, o que se opõe à
“pluralidade dos mundos” em que aquela identidade se dá.
A atribuição
de um sentido a acontecimentos biográficos pode ser uma fantasia que tem por
finalidade reforçar o habitus
em que o indivíduo está imerso; a criação de uma história de vida de si próprio
obedece às mesmas regras da constituição do habitus, o conjunto de disposições adquiridas, maneiras
duráveis de ser ou de fazer, que se encarnam nos indivíduos. Estes são corpos
socializados, uma das formas de existência da sociedade, estando o coletivo
dentro de cada indivíduo sob a forma de disposições interiores duráveis.[14]
Com o conceito
de habitus, constrói-se a relação entre indivíduo e sociedade.
Para o melhor entendimento dessa relação, porém, outro conceito precisa ser
associado ao de habitus, o de campo: mercado de bens
simbólicos, espaço de jogo ou de luta, onde questões definidas se colocam.
Pode-se falar, assim, em campo político, campo jurídico, campo artístico, campo
das trocas de afetos etc. Um indivíduo atua em diversos campos, com características
próprias. Pode-se dizer que o indivíduo é o resultado da interseção específica
de diversos campos. E cada interseção de diversos campos é única.
Habitus
é o sistema de disposições ajustado ao jogo que acontece no campo,
sendo o sentido do jogo. Assim, não haveria jogo e, conseqüentemente, não
haveria campo, se não existisse habitus. Campo e habitus
são dois conceitos que só fazem sentido associados um ao outro, dando conta da
dinâmica social.
Elemento
importante na constituição e reforço do habitus é o discurso,
especialmente aquele feito mais para si próprio. O discurso, embora se dirija a
um receptor diferente do emissor, também é feito deste para si próprio.
“As leis que regem a produção dos discursos na relação
entre um habitus e um mercado
se aplicam a essa forma particular de expressão que é o discurso sobre si; e o
relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, segundo a
qualidade social do mercado no qual é oferecido – a própria situação da
investigação contribui inevitavelmente para determinar o discurso coligido”[15]
d) Trabalho ético e prática de si
Michel Foucault é outro
importante autor a tratar da relação entre indivíduo e sociedade. Diz que as
normas de conduta são externas e anteriores ao indivíduo, que trabalha sobre si
próprio para amoldar-se mais ou menos às normas.
Foucault chama de modo de sujeição à maneira peculiar como
cada indivíduo se relaciona com a norma. Introduz também o conceito de trabalho ético, que é o esforço em sobre
si próprio no sentido “não somente para tornar seu próprio comportamento
conforme a uma regra dada, mas também para tentar se transformar em sujeito
moral de sua própria conduta”[16].
A realização desse
trabalho ético é possível porque se apóia em práticas de si, que fazem parte da lida do indivíduo com seus desejos
e suas pulsões, tentando controlá-los ou deixando-os realizarem-se.[17]
Três conceitos básicos
Estabelecidas as bases desta
relação entre indivíduo e sociedade, há três conceitos a serem definidos. O
primeiro deles é o de racionalização, definido por Ernest
Jones, em 1908, adotado por Sigmund Freud. Trata-se de mecanismo de defesa do
indivíduo que, em um processo inconsciente, quer evitar que sejam revelados
seus desejos e suas pulsões, que ele próprio rejeita e condena, em acordo com
os valores existentes em seu meio social. O mecanismo de controle é a produção
de um discurso racional e lógico, adequado àquilo que o indivíduo quer que seja
sua verdade interior, reprimindo o que é condenado [18].
A racionalização é uma atitude, isto é, uma configuração interior do indivíduo
que o prepara para uma ação. Quando o indivíduo se encontra no interior de uma
estrutura em que haja hierarquia, produzirá discurso lógico e racional que o
amolde a ela, ao discurso do chefe, preparando-se para agir de acordo com a estrutura.
O indivíduo pode também reverenciar outro, mesmo que ambos não estejam em uma
relação com hierarquia definida.
A racionalização dentro
do processo social é tratada por Norbert Elias[19],
que diz ser mais exato, em vez de razão ou racionalidade, falar-se em
diferentes modos de racionalização praticados por diferentes culturas. Isto é,
cada formação cultural enseja ao indivíduo um modo peculiar de lidar com
emoções, desejos e pulsões, desenvolvendo nele um conjunto de atitudes que
contribuam para a preservação da ordem social. E neste processo de
racionalização existe tensão resultante do esforço do indivíduo por amoldar-se
a algo, criando discurso racional que justifique seu modo de agir socialmente.
Essa
idéia de o indivíduo justificar para si próprio seu modo de agir socialmente
também é, pelo menos, complementar à de Michel Foucault, quando fala de prática
de si e de trabalho ético.
Émile Durkheim já havia
se preocupado com questão parecida quando abordou a imitação[20].
Disse o seguinte:
Em
algumas ocasiões, dentro de um mesmo grupo social, cujos elementos estão
submetidos à ação de uma mesma causa ou de um conjunto de causas semelhantes,
produz-se entre as diferentes consciências uma espécie de nivelamento em
virtude do qual todos pensam e sentem em uníssono. Ora , com
muita freqüência se tem dado o nome de imitação ao conjunto de operações
resultantes desse acordo. A palavra designa então a propriedade que têm os
estados de consciência, experimentados simultaneamente por certo número de
sujeitos diferentes, de agir uns sobre os outros e de se combinar entre eles de
maneira a dar origem a um estado novo. [21]
Durkheim se referiu também “(...) à necessidade que nos
impele a nos posicionar harmoniosamente com a sociedade de que fazemos parte e,
nesse sentido, adotar as maneiras de pensar e de agir generalizadas à nossa
volta” [22].
Outro aspecto do relacionamento entre indivíduo e grupo,
semelhante ao que Durkheim chamou de imitação, acontece no processo de formação
de opinião e no uso desta para a ação. Há uma linha de pensamento no estudo das
tendências de comportamento, de consumo e preferências eleitorais que alimenta
esta discussão. É a concepção de que se forma a espiral do silêncio
pela omissão de opinião por parte de indivíduos que não desejam contrariar aquilo
que supõem ser a opinião dominante do grupo de que fazem parte. A idéia de
espiral deriva da constatação de que acontecem omissões sucessivas, com
manifestações de opiniões em que se acredita serem as do grupo, afastando-se o
indivíduo cada vez mais daquilo que realmente pensa, construindo-se, assim, um
conjunto de crenças e tendências baseadas em um silêncio, formado pela
repressão de algo que o indivíduo vislumbra em si próprio mas que não deseja
manifestar, pelo temor se sofrer censura ou rejeição por parte do grupo.
Elisabeth Noelle-Neumann explica o fenômeno pelo medo que se instala no
indivíduo diante da ameaça de ficar isolado por ter uma opinião desviante
daquilo que acredita ser a tendência do grupo[23].
Realizou pesquisas de opinião em diversas campanhas eleitorais, em que, além da
pergunta “Em quem você pretende votar?”, apresentava outra, “Quem você acha que
vai ganhar a eleição?”. Verificou que, à medida em que se aproximavam os dias
das votações, maior numero de pessoas dava a mesma resposta para as duas
perguntas. Isto significa que, quando se aproxima o dia das eleições, número
significativo de eleitores aderem à candidatura que promete nas sondagens de
opinião ser vitoriosa na votação.
Noelle-Neumann, vem
estudando o fenômeno da opinião pública, tendo apresentado suas conclusões pela
primeira vez, no 20º Congresso Internacional de Psicologia, realizado em
Tóquio, em agosto de 1972. Mais tarde, em 1993, publicou pela Universidade de
Chicago A espiral do silêncio - opinião pública: nossa pele social.
O que aconteceu no referendo realizado no Brasil, em 2005, a respeito da
comercialização de armas de fogo pode ser explicado pela espiral do
silêncio. A opção pela não proibição da comercialização
cresceu de 49% a 64% na última semana de campanha. Em pesquisa do Ibope, do dia
15 de outubro, o não vencia por 49% a 45%[24]. No sábado, 22 de outubro, véspera da votação,
o mesmo Ibope dava a vitória ao não por 51% a 41% dos votos[25],
enquanto, para o Datafolha, a vantagem era de 57% a 43%[26].
O resultado da votação do dia 23 de outubro deu a vitória ao não
por 64% a 36% dos votos. Foi um salto
muito grande, em pouco tempo, para ser explicado apenas pelo convencimento dos
eleitores por argumentos racionais apresentados pelos defensores do não.
Há complementaridade
entre os estudos de Elisabeth Noelle-Neumann e as formulações de Norbert Elias,
quando este trata do que chama imagem reticular. Elias diz que,
nas relações sociais, cada indivíduo traz dentro de si uma representação do
outro, com que dialoga interiormente. Trata-se do fenômeno de um indivíduo
colocar outro em seu diálogo interior, a partir da relação social. Neste
processo, um indivíduo se transforma com a imagem reticular de outro e o
fenômeno não pode ser explicado apenas pela estrutura do indivíduo, mas pela
relação entre indivíduos. A imagem reticular está presente em
todas as relações sociais[27].
Concluindo, duas idéias
fundamentais precisam ser marcadas: a opinião não é fenômeno apenas da razão
humana e só pode ser entendida no limite entre o individual e o social, como
interação destes dois aspectos. Os três conceitos aqui referidos, racionalização,
espiral do silêncio e imagem reticular, são o ponto
de partida para se definir melhor essa forma fantasmagórica chamada de opinião
pública, que Gabriel Tarde considerou a alma do corpo social[28],
abrindo-se caminhos de aprofundamento do entendimento do fenômeno.
[1]
Jornalista, mestre em sociologia (com
concentração em antropologia) pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor da Universidade Candido
Mendes – Campus Nova Friburgo.
[2] Pierre Bourdieu, 1973. L’opinion publique n’existe pas. Les Temps Modernes nº 318
[3] Patrick
Champagne, 1998. Formar a opinião. Petrópolis, Vozes, p. 16
[4]
Jean-Jacques Rousseau, (1762) 2004. Do
contrato social. São Paulo, Martin Claret, p. 61 (grifo meu)
[5] Terence
H. Qualter, 1993. Opinião. in Outhwaite, William
& Bottomore, Tom, org.,
1996. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Jorge Zahar
Editor, Rio de Janeiro.
[6] Norbert
Elias, [1939] 1994. A
sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, p. 53
[7] Termo da
psicanálise que designa mecanismo de defesa do indivíduo em relação a suas
próprias inclinações interiores. Através da sublimação, são canalizados os impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e
aceitável. Fonte: Psicanálise freudiana. http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/mecanismosdedefesa.html.
É importante notar que esta postura é variável de acordo com a sociedade.
[8] Norbert
Elias, 2001. Mozart, a sociologia de um
gênio. Zahar, Rio de Janeiro, p. 54
[9] Pierre
Bourdieu, 2000. O poder simbólico.
Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, p. 12 .
[10] Norbert
Elias, 2001. Mozart, a sociologia de um
gênio. Zahar, Rio de Janeiro, p. 28.
[11] G.
Plekhánov, 1898. A propósito do papel do indivíduo na história
in Plekhánov, G, 1987 Obras Escolhidas, Edições Progresso,
Moscou, p. 346.
[12] Idem, p. 322.
[13] Pierre
Bourdieu, 1986. A ilusão biográfica. in Ferreira,
Marieta de Moraes e Amado, Janaína, Usos
e abusos da história oral. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, p. 186.
[14] Pierre
Bourdieu, 1983. Questões de sociologia.
Rio de Janeiro, Marco Zero, p.89
[15] Idem,
p.188,189
[16] Michel
Foucault, 1988. História da sexualidade –
vol. 2 – o uso dos prazeres. Rio de
Janeiro, Graal, p. 28
[17] Idem,
p. 27, 29.
[18] Jean
Laplanche e J.B. Pontalis, 1998. Vocabulário de psicanálise.
Martins Fontes, São Paulo.
[19] Norbert
Elias, [1939] 1993. O processo civilizador, vol.2. Jorge Zahar Editor,
Rio de Janeiro, p. 230.
[20] Émile
Durkheim, [1897] 2003. O suicídio. Martin Claret, São Paulo, p. 112-122
[21] Idem,
p. 112.
[22] Idem,
p. 113.
[23] Elisabeth Noelle Neumann, 1993. The
spiral of silence – Public opinion, our social skin – second edition . Chicago,
The University of
Chicago Press, p. 62.
[24] O
Globo, 15.10.2005
[25] O
Globo, 22.10.2005
[26] Folha
de São Paulo, 22.10.2005
[27] Norbert
Elias, [1939] 1994. A
sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, p. 29
[28] Gabriel Tarde [1901] 2005. A opinião e as massas. Livraria Martins Fontes Editora,
São Paulo, p. 59.
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