quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


SOBRE O DIREITO DE CERTIDÃO E SUAS LIMITAÇÕES
ON THE RIGHT OF CERTIFICATE AND LIMITATIONS

Elmo Gomes de Souza[1]

RESUMO: O texto tem por finalidade traçar 2 pontos: expor regras gerais sobre o direito de certidão e estabelecer parâmetros limítrofes ao mesmo. Embora direito fundamental, possui limites, não podendo ser considerado um direito absoluto. Sua delineação correta ajudará a Administração Pública a imprimir uma atuação eficiente e também o Poder Judiciário na prestação de serviço otimizado, em consonância aos arts. 5º, LXXVIII (rápida prestação jurisdicional) e 37, caput (princípio da eficiência). O texto também enfrenta a questão da negativa de certidão em face do sigilo em favor da sociedade ou do Estado e analisa alguns julgados emitidos pelo STF acerca do assunto.

ABSTRACT: The text has since finality draws 2 points: to expose general rules on the right of certificate and to establish bordering parameters to the same thing. Though basic right, it has limits, not being able to be thought an absolute right. His correct delineation will help the Public Administration printing an efficient acting and also the Judiciary in the installment of optimized service, in harmony to the arts. 5th, LXXVIII (rapid provision court) and 37, caput (principle of efficiency). The text also faces the question of the negative of certificate in view of the secrecy on behalf of the society or of the State and analyses someone judged given out by the STF about the subject.


Palavras-chave: Direito de certidão, limitação dos direitos fundamentais, sigilo de informação.

Keywords: Straight of certificate, limitation of the basic rights, secrecy of information.



I – APRESENTAÇÃO DO INSTITUTO
Plasmado no art. 5º, inciso XXXIV, alínea “b” da Constituição de 1988, o direito de certidão, como qualquer outro instituto exposto no tão-conhecido dispositivo da Carta Magna, encerra um direito fundamental individual de 1ª geração, de cunho eminentemente liberal e que cuida de um legítimo direito de defesa do indivíduo em face não apenas do Estado como também diante de outro indivíduo.
Conquanto se insira no art. 5º da Constituição, o direito de certidão não promete apenas uma célula de isenção em face dos abusos do próprio Estado, mas como bem salienta Sarlet[2], é mais um caso de direito individual que gera um direito à prestação, o que não o desnatura como um direito de defesa.
O direito de certidão não é inovação do Constituinte de 1988. Como dito, as inspirações liberais também o cunharam nas Constituições de 1967/69 (art. 153, § 35), de 1946 (art. 141, § 36, IV), 1937 (art. 122, 7), 1934 (art. 113, 35), mas esteve ausente nas Cartas de 1891 e Imperial de 1824, sendo que sua natureza o coloca no sub-grupo das liberdades e direitos de informação, ou seja, o direito que toda pessoa possui de saber qualquer tipo de dado relativamente à sua pessoa ou direito a ela inerente.
Não custa dizer – até porque a Constituição assim o diz – que este tipo de informação deve estar de posse do Estado, e para haver seu exercício, basta que exista um interesse particular de quem as pede ou até mesmo coletivo ou geral.
A regra constitucional mereceu regulamentação pela Lei nº 9.032/95.
A Constituição prevê 2 casos em que o interessado poderá se valer do direito de certidão:
- defesa de direitos;
- esclarecimento de situações de interesse pessoal.
Muito sábia a Constituição, neste ponto, ao estabelecer o direito de certidão em termos genéricos, fluidos. Ao outorgar o direito de buscar informações em repartições estatais, o Constituinte Originário emitiu um leque extremamente largo de possibilidades, deixando ao indivíduo valer-se da garantia individual para captar informações das mais abertas possíveis: seja individual ou coletiva, como instrumento de defesa (contra o particular ou mesmo contra o Poder Público), ou simplesmente – e aí num grau de interesse menor – para servir de desanuviamento de um interesse de cunho pessoal, ainda que a informação futuramente não sirva de qualquer serventia. Até mesmo o direito que se quer ver certificado pode não pertencer apenas ao indivíduo, eis que pode ser coletivo, pertencente à comunidade, e que sua informação pode servir de base à propositura de ações constitucionais (ação popular, ação civil pública, mandado de segurança coletivo etc.), como muito bem lembrado pela doutrina[3].
Não se deve esquecer que a garantia do direito à certidão, por fim, deve ser obedecida pelo Estado como uma regra jurídica, não lhe permitindo que deixe de fornecer a certidão sempre que assim solicitado. Ou seja, não lhe cabe discricionariedade para fornecê-la, segundo critérios de conveniência ou oportunidade. O Estado, aqui, fica vinculado: se instado a emitir a certidão, deve assim fazê-lo. Não se pode aqui esquecer a sábia lição do saudoso mestre que assim se referiu ao instituto: “a expedição de certidões requeridas para defesa de direito (...) de modo algum pode depender da apreciação da espécie pela repartição que as há de passar; seria permitir-se à autoridade administrativa arbítrio, ou, pelo menos, pré-exame do direito do requerente”[4]. E no mesmo sentido caminharam as decisões dos Tribunais[5].

II - ÂMBITO DE APLICABILIDADE
Embora o dispositivo constitucional deixe entrever que o direito de certidão seja exercitável perante a Administração Pública, não é menos certo que o próprio Poder Judiciário não está imune de sofrer um pedido de certidão, pois assim fazendo estará no exercício de atos tipicamente administrativos. Não é por outra que o CPC, em seu art. 155, parágrafo único, permite que não apenas as partes e procuradores, mas também terceiros juridicamente interessados, possam requerer certidões de atos processuais. Por falta de norma expressa, e ex vi do art. 3º do CPP, o direito de petição também se aplica ao processo penal, sendo perfeitamente possíveis as certidões cartorárias de “inteiro teor”[6] e de “objeto e pé”[7], como vemos costumeiramente na praxis forense.

III - DOS LIMITES
Segundo amplo entendimento, nenhum direito é absoluto. Nem mesmo o direito à vida é irrestrito, eis que o próprio texto constitucional o excepciona quando permite a pena de morte em tempo de guerra (art. 5º, XLVII, “a”). Até mesmo direitos fundamentais encontram limites ao seu exercício, dando-lhes conotação relativa. E não são poucos, apesar do que se pensa. O que acontece é que eles apenas entram em funcionamento em hipóteses excepcionais[8]. Mas os exemplos não faltam e aqui veremos estes limites, aplicados ao direito de certidão.
Como bem assinalado por Mendes-Coelho-Branco[9], para que se estabeleçam os limites dos direitos fundamentais, mister que se identifique o âmbito de proteção do direito fundamental, sendo que em alguns casos a própria lei é quem estabelece a proteção, completude, densificação e concretização do direito fundamental, como vemos no direito de propriedade. Mas o âmbito de proteção do direito de certidão já está assegurada pelo próprio constituinte originário.
Ocorre que no que tange ao direito de certidão, há uma expressa restrição incorporada no texto constitucional, mais especificamente no art. 5º, XXXIII[10], no que tange ao sigilo em favor da sociedade e do Estado, algo que será desenvolvido mais adiante.
Saindo da esfera constitucional, poderíamos dizer que a primeira “restrição” que podemos vislumbrar se refere aos contornos legais dados ao direito de certidão. Regulamentado pela Lei nº 9.032/95, o direito de certidão tomou delineamento mais nítido com o regramento infra-inconstitucional.
Ora, logo no art. 2º da supra citada lei, estabelece-se que “nos requerimentos que objetivam a obtenção das certidões a que se refere esta lei, deverão os interessados fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do pedido.”
Estabelece-se, então, que para se obter a certidão almejada, o indivíduo terá que demonstrar a finalidade para qual deseja, bem como demonstrar, mesmo que sucintamente, o motivo da certidão. Tanto o destino quanto a causa devem vir explicitados no pedido de certidão, sob pena de indeferimento pela Administração. Não que se esteja criando obstáculo não previsto pela Constituição, mas sim, como bem assevera a Desembargadora Christine Santini, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[11], se deseja evitar o abuso do direito e a prática de atos emulativos. O correto enquadramento do objeto acaba por se tornar causa dos maiores casos de indeferimento (justificado) de emissão pela Administração, sob o fundamento de que certidões não podem ser passadas com base em pedido genérico ou inconsistente.
E a jurisprudência é constante neste sentido, acolhendo a proposição de que pedidos sem fundamentação ou generalizados não bastam para obtenção de uma certidão. Neste sentido, o TRF da 2ª Região já teve oportunidade de se manifestar:

EMENTA
I – Administrativo – obtenção de certidão em repartição pública – a pretensão em obter certidão de todo o processo administrativo, de forma genérica, constitui exagero a que a Administração não pode submeter-se, devendo o interessado discriminar com clareza de qual ou quais atos deseja certidão, ou de que peças do processo administrativo tem interesse para o fim previsto na alínea ‘b’ do inciso XXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal – a recusa da autoridade administrativa em fornecer a certidão na forma pretendia pelo impetrante,não consubstancia violação a direito líquido e certo a ser protegido pelo ‘writ’, inclusive quando já fornecida certidão de Súmula do processo administrativo – há que se declarar na hipótese a carência da ação.
II – apelação improvida – sentença confirmada.[12]

Ocorre que, alguns casos, o pedido de certidão possui implícita sua causa.
Assim, uma certidão de antecedentes criminais – para comprovação em concurso público – deve ser emitida pelo órgão competente, pois somente ele detém aquela informação. Quando uma empresa necessita participar de uma licitação (exigência legal, art. 29, II e IV da Lei nº 8.666/93), mister uma certidão negativa de débitos, pois o licitante não conseguirá comprovar perante a comissão julgadora que não possui débitos perante os órgãos fiscais, eis que se trata de prova negativa. Por isto – e através do sacrossanto direito de certidão – ela pode obter uma Certidão Negativa de Débitos. De igual modo, fica difícil para o servidor público, sponte propria, demonstrar que trabalhou durante determinado número de dias em setor ou órgão público. Para isto lhe é assegurada a expedição de certidão de tempo de serviço exercido, que certamente lhe será muito útil quando da entrada de requerimento para aposentadoria.
Em todos estes exemplos, resta demonstrada a finalidade, eis que no próprio objeto da certidão já se encontra sua finalidade e pertinência.
Neste campo vimos interessante caso concreto onde um setor da própria Administração Pública, visando aprimorar o atendimento de seus serviços internos e atualização dos dados dos sistemas cadastrais da Procuradoria, requereu ao Juiz, no exercício de sua competência administrativa, o número de feitos na Vara Federal, situação processual de cada um deles (inclusive se estavam em grau recursal ou em trâmite perante o Juizado Especial Federal). Neste caso, entendemos que não há discriminação razoável do objeto do pedido de certidão.
Também há se levar em conta se a informação que se quer obter pela certidão pode ser captada por outra forma. Neste caso, entendemos que a Administração poderá recusar a emissão de certidão sob o princípio da razoabilidade, eis que por outro meio é possível se obter a informação.
Tangenciando o tema do direito de petição, há julgado da TRF da 3ª Região, onde se negou o direito da parte de requerer certidão necessária à prova de sua alegação, mencionando o art. 399, I, CPC (O juiz requisitará ás repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: as certidões necessárias à prova das alegações das partes), que possui íntima relação com o constitucional direito previsto no art. 5º, XXXIV, “b” da CF/88. Vejamos a ementa:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À REPARTIÇÃO PÚBLICA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 399, I, CPC. FACULDADE DO JUÍZO. AGRAVO IMPROVIDO.
I- A obtenção de certidão de repartição pública é direito da parte constitucionalmente assegurado.
II- O Artigo 399, I, CPC, se traduz em faculdade, e não em dever do juiz, assegurando-lhe meios, quando necessário, à formação de seu convencimento.
III- Descabe atuação do Poder Judiciário para conhecimento de informações, através da expedição de ofício, quando não demonstrada pela parte a impossibilidade de obtê-las por seus próprios meios.[13] (destaquei)

No caso vivenciado por nós, os próprios requisitos constitucionais não se fizeram presentes (defesa de direito e esclarecimento de situação de interesse pessoal), eis que se revela, através das razões do seu pedido, que a Administração Pública, na verdade, quer se utilizar do direito de certidão para fins diversos daqueles previstos constitucionalmente, ou seja, manter uma ordem organizacional interna mediante a utilização transversa e embaraçada do referido direito.
Mas aproveitando a ocasião, faço uma outra indagação semelhante: há necessidade de emissão de certidão, caso um advogado requeira à Secretaria, para que esta diga quantos processos o causídico está patrocinando? Evidentemente que não. E a resposta é negativa porque não se estará cumprindo a finalidade do direito de certidão. Para isto, basta o advogado acessar a página eletrônica ou a máquina de acompanhamento processual para saber o número de feitos que patrocina. Pensar de modo contrário, estaríamos operando uma transmutação, atribuindo ao Judiciário a função de secretariar o advogado.
Também cita a doutrina[14], que somente os despachos definitivos e seus elementos que fundamentam podem ser objeto da certidão.  E que estariam fora do âmbito da garantia à informação os documentos inexistentes em seus arquivos, termos de diligências e depoimentos (por não constituírem manifestação de vontade, de juízo ou de conhecimento da Administração) e também toda a “matéria meramente opinativa ou informativa, mantém-se circunscrita à órbita interna da Administração, cautela essa que evita, inclusive, a expedição de certidões desnecessárias.”
Entendemos, porém, que esta última limitação não pode prevalecer no presente ordenamento jurídico, eis que a amplitude que se concedeu ao direito de certidão não pode ser limitado desta forma, pois mesmo as peças informativas, sem cunho decisório, podem, em algum momento, servir de base à defesa de direitos do próprio indivíduo, exatamente para contrapor eventual ato administrativo de cunho decisório, proferido em razão de ilegalidade, ainda mais quando se permite, pela doutrina moderna, que o Judiciário realize o controle de discricionariedade dos atos administrativos[15]. Esta posição inclusive já foi ventilada no próprio STF, como veremos infra.
Daí porque se deve ter o cuidado com a interpretação de certas decisões judiciais, das quais selecionamos julgado do TRF da 2ª Região[16], que em ementa assim reproduziu:

As garantias asseguradas no art. 5º, incisos XXXIV, letras a e b e LV da Constituição Federal restringem-se à obtenção de certidões e ao contraditório nos processos administrativos. Não se estendem à divulgação de pareceres e atos internos da administração pública, sem pertinência a pessoa do requerente. (destaque nosso)

Ora, o indeferimento se deu em razão do parecer não ter pertinência com os direitos do requerente e não por se tratar de simples parecer (não nos esquecemos que, em regra, o direito de certidão não permite que obtenhamos informações de terceiras pessoas) e não em razão do direito à certidão não albergar atos opinativos ou enunciativos, uma vez que estes – como já dito acima – podem servir, em algum momento, para defesa de direito ou esclarecimento de situação pessoal.
 Por outro lado, estariam as informações sigilosas ao largo do direito de certidão? Cabe salientar que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional nº 1 de 1969, ao contrário da Constituição de 1946, que em seu art. 141, § 36 assim dispôs: “A lei assegurará: a expedição de certidões requeridas para defesa de direito; a expedição de certidões requeridas para esclarecimento de negócios administrativos, salvo se o interesse público impuser sigilo”, nada mencionaram quanto às informações de relevante interesse público e que devem ficar salvaguardadas do público e da coletividade em geral. Mas isto se dá por uma falsa perspectiva, porque a nova Constituição não excluiu do impedimento o direito do sigilo. Apenas deslocou (por questões meramente tipológicas), a ressalva ao resguardo do sigilo para o inciso XXXIII do art. 5º[17]. Nestes casos, a doutrina não tem hesitado em reconhecer plausível a limitação:

São, sem dúvida  jurídica alguma, legítimas as limitações impostas pela lei ordinária quanto a taxa e prazo para a expedição, bem como o resguardo da matéria em caso de sigilo.
(...)
Pela razoabilidade da predominância do interesse público sobre o privado, ante essas noções definidoras dos contornos que a lei pode traçar para essa garantia constitucional, admite-se que o ‘sigilo’ do ato administrativo pode ser causa impeditiva ao fornecimento da certidão requerida.
Há, contudo, um limite a essa declaração de sigilo: é necessário que a lei integrativa vede o fornecimento exclusivamente quando a matéria tenha sido previamente declarada sigilosa por lei. Caso contrário, haveria negativa a outro postulado constitucional, segundo o qual ‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’.[18]

Também Alexandre de Moraes[19], escorado em lição de Celso de Mello, entende que um dos pressupostos para a concessão da certidão reside na ausência de sigilo.
Mas até onde vai esta restrição ao sigilo? Ou se quisermos colocar sob outro ponto de vista: onde o sigilo começa? Entendemos que o problema é intrincado, visto que ao encararmos o inciso XXXIII do art. 5º não iremos nos deparar com qualquer possibilidade de concessão de disposição pelo legislador infra-constitucional. Em outros termos: aparentemente, o constituinte originário não deixou à margem do legislador ordinário poder para consignar, excepcionalmente, os casos em que a Administração Pública poderia negar o direito à certidão, incluindo, inclusive, a evocação de eventual sigilo garantido pela Constituição.
Mas aqui, o próprio constituinte originário estabeleceu uma restrição ao direito de certidão. A doutrina admite este tipo de técnica:

Os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser ou limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato.
(...)
A doutrina do direito comparado parece unânime no entendimento de que nem tudo o que se encontra amparado, em tese, pelo âmbito de proteção dos direitos fundamentais sem reserva legal expressa – entre nós, a liberdade religiosa, a inviolabilidade de domicílio, a inviolabilidade da correspondência escrita – colhe efetiva proteção dos direitos fundamentais.
A Corte Constitucional alemã, chamada a se pronunciar sobre o tema no caso relacionado com as recusas à prestação de serviço militar, assim se manifestou:
‘Apenas a colisão entre direitos de terceiros e outros valores jurídicos com hierarquia pode excepcionalmente, em consideração à unidade da Constituição e à sua ordem de valores, legitimar o estabelecimento de restrições a direitos não submetidos a uma expressa reserva legal.’
(...)
Daí a necessidade de que eventual limitação de direitos fundamentais, sem reserva legal expressa, assente-se também em norma constitucional.[20]

Temos que este ponto não foi muito bem analisado pela doutrina, eis que a resolução passa necessariamente por uma limitação a um direito de fundamental. Poderíamos imaginar se uma determinada informação militar (v.g., espécie, estratégia e número de operações de determinada movimentação militar em período de pós-guerra ou de situação de emergência ao Estado Democrático de Direito, para se verificar eventual abuso de autoridade a direitos individuais ou mesmo aplicação indevida de recursos públicos) poderia ser fornecida a um órgão de defesa da ordem democrática (v.g., Ministério Público ou Ordem dos Advogados do Brasil), que tenha em mente intentar eventual ação em face da Administração ou do servidor público.
A doutrina não deu muito destaque à limitação do resguardo ao sigilo, imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Diante de termos que encerram conceitos jurídicos indeterminados[21], ainda não nos resta devidamente solucionada a equação e exata delimitação entre o direito de certidão de um lado, o resguardo ao sigilo do outro, e a agregação do que tais termos significariam (segurança pública, em suma). A doutrina, em geral, não se aprofunda no tema, mas um dos poucos a se preocupar assim prescreve:

Todavia, a ressalva contida na última parte do dispositivo tem sido alvo de controvérsias.
Afinal, que matérias podem ser consideradas imprescindíveis à segurança do Estado e da sociedade? Até onde vai o direito de receber dos órgãos públicos informações? Por que manter em segredo dados da própria pessoa, a exemplo daqueles contidos em arquivos da ditadura ou nas famosas listas de desaparecidos do regime militar?
As respostas a essas perguntas até hoje não foram respondidas, mesmo diante das inúmeras tentativas de regulamentar o assunto.[22]

E a propósito de regulamentar a questão, sob a égide do Dec. 5.301/04 (e que analisaremos adiante), entendeu o mesmo autor (BULOS, 2008, p. 483), que houve violação ao espírito democrático da Carta de 1988, até porque o cidadão não pode ficar sem obter informações que lhe digam respeito. E amparando-se na Constituição lusitana (onde não há ressalva), entende que mesma técnica hermenêutica deve vigorar no País, sob os auspícios da transparência, da proporcionalidade, da dignidade humana, da moralidade, do respeito à vida privada e familiar, da legalidade e, sobretudo, do bom senso.
Entendemos acertada a posição do ilustre Doutor, visto que deve prevalecer o direito fundamental referente à pessoa, tratada no art. 5º, X, que diz respeito à intimidade da pessoa, ressalvando, porém, que os interesses em jogo devem ser sopesados (sob o princípio da proporcionalidade), visto que vislumbramos alguns casos em que a soberania deve prevalecer em detrimento do cidadão. Basta pensar num grosseiro exemplo: levante de nacionais e estrangeiros para “internacionalizar” a Amazônia. Neste clima, divaguemos que o Estado Brasileiro capte informações e dados sobre tais pessoas, para que no futuro neutralize ações de tais indivíduos. Evidentemente que as informações referentes aos atos a serem realizados não poderão ser revelados, ainda que tais indivíduos requeiram à Administração, sob evidente resguardo à Defesa Nacional e à República Federativa como um todo.
A questão passa por 2 análises. A primeira, de mais fácil resolução. Quando a própria Constituição conferir sigilo a determinado instituto, evidentemente que a informação não poderá ser certificada. Assim, por exemplo, não se pode peticionar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para que certifique o número de cartas enviadas (e nome do remetente) ou recebidas pela esposa ou marido num determinado período de tempo, exatamente porque se protege o sigilo de correspondência (art. 5º, XII, CF/88). Também é incabível requerer que determinado banco estatal certifique certos dados bancários, ainda que em defesa de interesse coletivo, também resguardado pelo sigilo. Quanto ao sigilo bancário/fiscal, doutrina[23] e jurisprudência[24] enxergam que ele encontra guarita no princípio da intimidade (art. 5º, X, CF/88), sendo aquele uma projeção deste.
Aqui o sigilo não encontraria maiores dificuldades para solução, eis que a indagação encontra resposta no próprio texto constitucional. O problema reside quando o sigilo não está estampado no corpo constitucional (que é por demais genérico), mas sim em lei infraconstitucional. Nestes casos, preponderaria a norma do art. 5º, XXXIV, “b”, CF/88, em detrimento da informação sigilosa? Ou se deveria prestigiar a ressalva posta no inciso XXXIII que resguarda o sigilo em face de interesse da sociedade e do Estado, ficando o indivíduo, neste último caso, em real situação de desvantagem?
Exemplifiquemos: a Lei nº 8.159/91, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, delegou ao Poder Executivo, mediante Decreto, o poder de classificar os documentos públicos de caráter sigiloso (art. 23[25]), sendo que determinou em seu § 1º que os documentos que envolvam risco a segurança da sociedade e do Estado são de forma inata sigilosos.
Regulamentando a matéria, o Decreto Presidencial nº 4.553/02, em seu art. 5º, classificou os dados e informações sigilosos em ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados. Todos eles, porém, têm acesso restrito e condicionado à necessidade de conhecer pelo interessado (art. 2º, parágrafo único do Decreto).
Pois bem, poderia um indivíduo (ou mesmo uma instituição essencial ao funcionamento da Justiça), por exemplo, requerer certidão, visando obter acesso a dados, ainda que sigilosos? A teor do art. 37, II do Decreto[26] não há qualquer empecilho, mas, adiante, o próprio diploma normativo o desmente, ao permitir à autoridade administrativa negar acesso aos dados, desde que devidamente fundamentado (art. 40).
Também a Lei nº 11.111, de 5.5.2005, igualmente enveredou pelo mesmo caminho, ao vetar acessos a documentos sigilos (art. 2º). Regulamentando a norma legal, o Decreto nº 5.301/04[27], veio a dizer que o interessado pode obter certidão (art. 5º, III), sendo desnecessário aduzir razões no requerimento, salvo comprovação de efetivo interesse na obtenção da informação (art. 5, § 3º), o que para nós constitui-se numa incongruência, porque para comprovação de interesse é mister demonstrar, no mínimo, um fundamento, uma razão para tal. Formulado, cabe à Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas autorizar o acesso ou denegar o pedido, entendendo que o dado buscado é ainda imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 6º).
Nestes casos, inegavelmente estamos diante daquilo que a doutrina constitucionalista costuma chamar de colisão de direitos, onde normas constitucionais entram em choque umas contra as outras.
Sem querer entrar numa classificação proposta pela doutrina em termos de colisão de direitos, mesmo porque não é o objeto deste trabalho, costuma ela identificar o caso sob o nominativo de colisões em sentido amplo[28], ou então, pela doutrina estrangeira, de colisão não autêntica[29]. Aliás, o ilustre professor Canotilho (2003, p. 1.272) nos fixa a possibilidade de limitação de direito fundamental em face de proteção do próprio Estado:

Em algumas normas da CRP verifica-se a protecção do Estado como elemento da existência, organização, defesa e unidade de uma certa comunidade. Em primeiro lugar, garante-se a protecção da existência de Portugal como Estado. A ‘segurança existencial do Estado’ é um bem legitimador de importantes restrições aos direitos fundamentais (...). O bem ‘segurança pública’ legitima certas restrições ao direito à liberdade e à segurança pessoal, designadamente através da instituição de medidas privativas de liberdade (arts. 27º e 28º).

Como chave para soluções de determinados conflitos (como é o caso das Leis ns. 8.159/91 e 11.111/05), adotamos os mesmos parâmetros consignados pelos doutores acima elencados (PEREIRA, 2006, p. 253 e ss. CANOTILHO, 2003, pp. 1.236 e ss e 1.274), sendo que este último aponta para a necessidade de haver uma harmonização de direitos numa relação de preponderância (princípio da ponderação) de um direito em relação a outro, alertando que isto somente ocorrerá na avaliação das circunstâncias concretas que o caso requerer. E arremata:

Como se deduz das considerações do texto, as normas dos direitos fundamentais são entendidas como exigências ou imperativos de optimização que devem ser realizadas, na melhor medida possível, de acordo com o contexto jurídico e respectiva situação fáctica. Não existe, porém, um padrão ou critério de soluções de conflitos de direitos válido em termos gerais e abstractos. A ‘ponderação’ e/ou harmonização no caso concreto é, apesar de perigosa vizinhança de posições decisionistas (F. Muller), uma necessidade ineliminável.[30]
  
Eis aí a pedra-de-toque que dita a possibilidade ou não de fornecimento de informações sigilosas pela Administração Pública: se a informação está resguardada pelo sigilo, sigilo este ditado pela Constituição, não será possível o fornecimento de certidão, ressalvada a possibilidade do Poder Judiciário contrastar a negativa da Administração com a norma restritiva, ante o princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88). Se o sigilo é ditado por razões de segurança do Estado ou da sociedade, o princípio da ponderação deve ditar a possibilidade ou não de emissão da certidão. Mas caso não exista lei disciplinando sobre o sigilo da informação, a Administração Pública não poderá, sob qualquer pretexto, se negar a fornecer os dados que lhe estão sendo requeridos, sob pena de esvaziamento do princípio em comento. Vale dizer que o sigilo é a exceção à regra da ampla publicidade que se deve imprimir aos atos administrativos, princípio inclusive insculpido em cânone constitucional (art. 37, caput).
Complementando, como se trata de fato jurídico que limita o exercício de um direito individual, é dever da Administração Pública explicitar o interesse público, o sigilo e fundamentar a negativa da emissão de certidão, quando requerida.
Evidentemente que estas exceções, sob a ótica do sigilo, são previstas e estas, indubitavelmente, se colocam como um fator limitativo posto na Carta Magna ao direito de certidão.

IV - O DIREITO DE CERTIDÃO E A JURISPRUDÊNCIA DO STF
Estabelecidos os critérios gerais para a correta obtenção do direito de certidão e postas à mesa algumas premissas para sua restrição, ainda que incorporado como direito fundamental no Texto Maior, não é por demais repassar algumas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, eis que a este órgão cabe à guarda da Constituição e a sua interpretação, consoante o art. 102 da CF/88. Limitamos nossa pesquisa a alguns julgados proferidos durante a vigência das Cartas de 1967 (e Emenda de 1969), bem como de 1988.
Ainda na vigência da Carta anterior, no Recurso Extraordinário nº 82700/SP[31], o STF indeferiu pedido de certidão requerido por interessado em obter informações de processo de financiamento de casa própria, financiamento realizado pelo próprio requerente. O indeferimento se deu porque o financiado requeria informações de pareceres e informações de órgãos internos exarados para orientação da própria instituição bancária, uma autarquia estadual, cobertos pela garantia do sigilo bancário.
No RE 87.259/SP[32] admitiu-se o direito à obtenção de certidão. In casu, um advogado requereu certidão sobre 12 representações onde formulou pedido de apuração de responsabilidade de alguns magistrados. O Tribunal a quo, por maioria de votos, não havia concedido ordem em Mandado de Segurança, por entender que cabia à autoridade administrativa averiguar os pressupostos ao direito subjetivo do agente. Contudo, o STF entendeu que o recorrente demonstrou sim a finalidade para a qual desejava a certidão. Ressalvou-se, no aresto, o resguardo ao sigilo público, se for o caso, o que se encontrava em consonância com o diploma constitucional da Carta anterior.
Já na atual Carta de 1988, o STF teve oportunidade no julgamento do RE 221.590/RJ[33]  de analisar a inteligência e extensão do direito posto no art. 5º, XXXIV, “b”. O Estado do Rio de Janeiro recorria porque serventuários de Justiça obtiveram certidão de inteiro teor dos seus depoimentos prestados em processo administrativo disciplinar. Segundo o recorrente, estar-se-ia dando mais elastério à disposição posta na Constituição. Contudo, a Turma, acolhendo sucinto voto do Relator, entendeu que se tratava de documentação de fato próprio do requerente, não dando provimento ao recurso. Este acórdão é interessante para demonstrar que, ao contrário do que certa parte da doutrina propugna, é possível expedição de certidão ainda que se trate de ato sem conteúdo decisório.
Indiscutivelmente o caso mais interessante levado ao STF veio no bojo do Mandado de Segurança nº 21.647/DF[34]. O impetrante havia participado de processo seletivo para provimento de cargo público no Senado Federal, mas terminou em 2º lugar. Ele entendeu que o certame era suspeito, visto que o 1º colocado obteve pontuação surpreendente e por isto solicitou à competente autoridade administrativa “vistas” e provas do concorrente para defesa de interesse seu. A autoridade indeferiu o pedido por entender que o direito à certidão não abrangia o direito a cópias e que os documentos se referiam a terceiros (no caso o 1º colocado no concurso) e não ao próprio requerente.
Embora o julgado tenha extinto a ação sem julgamento de mérito, se ultrapassada a preliminar, entendemos que caberia direito ao interessado obter as “vistas” de provas do concorrente, até para basear futuramente, por exemplo, o ajuizamento de ação individual ou mesmo popular. É certo que as informações não haviam respeito diretamente à sua pessoa, mas o interessado poderia estar com seu direito prejudicado em função de eventual favorecimento de outra pessoa (o que estaria ferindo o princípio da impessoalidade  e da moralidade na Administração Pública). Ou seja, através de expediente transverso, indiretamente o direito subjetivo do interessado estaria sendo violado através do favorecimento de outro c


[1] Juiz Federal Substituto da Vara Federal de Nova Friburgo (RJ). Professor de Direito Constitucional da Universidade Cândido Mendes, Campus Nova Friburgo. Endereço eletrônico : elmosouza@ig.com.br
[2] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª edição. Porto Alegre : Livraria do Advogado. 2007, p. 191.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo : Atlas. 1996,  p. 482.
[4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários à Constituição de 1967 [tomo V]. RT. 1968, p. 613.
[5] Confira-se a respeito: TRF da 1ª Região; AC 89.01.24751-8/DF; Rel. Des. Fed. Souza Prudente; DJ de 5.11.1990, p. 26.152.
[6] Onde a parte requer ao escrivão que aponte todo o contexto e fases do processo.
[7] É a certidão em que somente há menção do assunto do processo (objeto) e em que fase ele se encontra (pé).
[8] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª edição. São Paulo : Atlas, 2007, p. 27. Este autor afirma que os direitos humanos fundamentais não podem servir como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas ou como argumento para afastamento de responsabilidades, sejam civis ou penais, sendo que as garantias constitucionais encontram seus limites nos demais direitos consagrados na Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Conferir também, BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 409. Interessante notar que este último autor identifica, no rol das garantias constitucionais, direitos que são eminentemente absolutos, que não podem sofrer quaisquer tipos de restrição. E cita exemplos: proibição de tortura e do tratamento desumano e degradante (inc. III do art. 5º). E acrescentamos, também, o respeito à integridade física e moral dos presos (inc. XLIX). No STF, consulte-se: Pleno; MS 23.451/RJ; Rel. Min. Celso de 12-5-2000, p. 20.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. 2007, p. 285.
[10] “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
[11] Voto na AC 389.670.5/3-Jales; 2ª Câmara de Direito Público; j. 20.5.2008.
[12] TRF da 2ª Região; AMS 93.02.17752-1/RJ; Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros; DJ de 11.5.1995, p. 28.148.
[13] TRF da 3ª Região; AG 94.03.093642-8SP; Rel. Des. Fed. Baptista Pereira; DJ de 28.3.2001, p. 72.
[14] FERREIRA, Wolgran Junqueira. Direitos e Garantias Individuais. Bauru : Edipro. 1997, p. 296.
[15] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Dicricionariedade. 4ª edição. Rio de Janeiro : Forense, 2001. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2000. COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo : Saraiva, 2002, p. 42 e ss.
[16] AMS 95.02.02898-8/RJ; Rel. Des. Fed. Clélio Erthal; DJ de 21.9.95.
[17] “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”
[18] FERREIRA, Wolgran Junqueira. Ob. cit., p. 295.
[19] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª edição. São Paulo : Atlas, 2002, p. 232. Para o autor, são 3 os pressupostos para obtenção da certidão: 1) legítimo interesse (existência de direito individual ou coletivo a ser defendido); 2) ausência de sigilo; 3) res habilis (atos, administrativos ou judiciais, certificáveis).
[20] GILMAR-COELHO-BRANCO, ob. cit., p. 292, 303 e 304.
[21] ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7ª edição. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 208 e ss. BANDEIRA DE MELLO, ob. cit., p. 22. Ambas as obras oferecem bons subsídios para compreensão dos denominados “conceitos jurídicos indeterminados”, a fim de que se faça sua correta aplicação hermenêutica.
[22] BULOS, Uadi Lammêgo. Ob cit. , p. 482.
[23] FERREIRA-COELHO-BRANCO, ob. cit., p. 375. BULOS, ob. cit. p. 447 e ss. (este fundamentando o sigilo fiscal e bancário abarcados pelos incisos X e XII da CF/88).
[24] No STF: MS 23452/RJ; Rel. Min Celso de Mello; j. 16.9.1999; RTJ 173/807-8, dentre outros. No STJ: RMS 15.599/SP; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; DJ de 18.4.2005, p. 352.
[25] “Art. 23. Decreto fixará as categorias de sigilo que deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos documentos por eles produzidos.”
[26] “Art. 37. O acesso a dados ou informações sigilosos em órgãos e entidades públicos e instituições de caráter público é admitido: ao cidadão, naquilo que diga respeito à sua pessoa, ao seu interesse particular ou do interesse coletivo ou geral, mediante requerimento ao órgão ou entidade competente.”
[27] Inicialmente pode parecer estranho que um Decreto de 2004 tenha regulamentado uma Lei de 2005. Mas há uma explicação. É que a Lei nº 11.111/05 é fruto da conversão da Medida Provisória nº 228, de 9.12.2004, sendo que o Decreto 5.301 fora editado nesta mesma data, não havendo, pois, razão para maior perplexidade.
[28] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 232. Para esta, colisões em sentido amplo são “aquelas nas quais entram em choque, de um lado, direitos fundamentais, e, de outro, bens e valores de interesse coletivo ou público.”
[29] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra : Almedina, 2003, p. 1.271.
[30] CANOTILHO, ob. cit., p. 1274-1275.
[31] 2ª Turma; Rel. Min. Xavier de Albuquerque; j. 5.12.1975, DJ de 13.2.1976, p. 902; RTJ 76/655.
[32] 1 Turma; Rel. Min. Thompson Flores, j. 25.9.1979, DJ de 5.11.1979, p. 8.268; RTJ 94/281.
[33] 1ª Turma; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 17.2.1998; DJ de 13.3.1998, p. 28.
[34] Pleno; Rel. Min. Paulo Brossard; j. 26.5.1994; DJ de 1.7.1994, p. 17.496.

APA ESTADUAL DE MACAÉ DE CIMA: PARAÍSO PERDIDO OU PRESERVADO?
Virgínia Villas Boas Sá Rego[1]
     “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do   povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Constituição da República Federativa do Brasil; Artigo 225º).

                “As noções de importância, de necessidade, de interesses são mil vezes mais determinantes que a noção de verdade. Não, de forma alguma, porque elas a substituam,  mas porque medem a verdade do que digo”  (Deleuze).

INTRODUÇÃO
            Este trabalho pretende expor a situação atual do processo de implantação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Macaé de Cima, unidade de conservação da natureza (UC) de uso sustentável[2], criada pelo Decreto estadual nº 29.213/2001, com cerca de 35 mil hectares,  abrangendo cerca de 40% do município de Nova Friburgo (RJ) (distritos de Lumiar, São Pedro da Serra e parte de Mury), na zona de amortecimento no entorno do Parque Estadual de Três Picos (PETP), a maior unidade de conservação estadual, à qual se sobrepõe parcialmente.
            Estas reflexões inserem-se no estudo de caso que está sendo desenvolvido para o curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente (PPGMA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)[3], sobre os processos participativos envolvidos na gestão de duas APAs, criadas, dentre outros motivos, para proteger as nascentes da bacia hidrográfica do Rio Macaé (RJ): a já referida APA de Macaé de Cima e a APA do Sana (município de Macaé), que guardam entre si certa identidade geográfica, histórica e cultural. A partir da análise comparativa de duas configurações empíricas específicas, usando os métodos de investigação etnográfico, histórico e documental, o estudo procura responder à questão: Como certas coletividades vêm conseguindo construir instrumentos para efetivar sua “cidadania ambiental”[4], diante das forças ligadas ao Estado ou ao mercado?
             A investigação, partindo dos processos relativos às transformações que espaços locais, considerados “rurais” e convertidos em UCs pelo Poder Público,  vêm  sofrendo na sociedade contemporânea globalizada, pretende identificar o diálogo específico exercido por suas populações, entre os seus próprios segmentos e com outros atores sociais, nesse contexto. Busca levantar a percepção dos atores locais, especialmente dos “pequenos produtores rurais”, quanto ao que consideram ser “direito ambiental”, “participação” e “cidadania”, delineando as diferentes perspectivas envolvidas na implantação das UCs, cuja gestão,  deve ser  “participativa”[5] e viabilizar  um “desenvolvimento local sustentável”.
            Objetiva-se, também, enfocar os processos envolvidos na formação da cidadania, considerando a prática participativa dessas populações em fóruns diretamente relacionados à questão ambiental, cuja instituição foi possibilitada pela Constituição brasileira de 1988. Pretende-se contribuir para a reflexão sobre os processos envolvidos na construção coletiva de um novo projeto de gestão democrática e participativa, em que os “cidadãos”, “autônomos” (CASTORIADIS e COHN-BENDT, 1981), sejam capazes de deliberar sobre seu destino comum e reorientar os rumos assumidos pelas relações entre si e com o seu ambiente.
           
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
            Segundo uma abordagem processual, integrada e holística, o ambiente é enfocado em sua complexidade (MORIN, 1997) e relatividade (INGOLD, 2000). Adota-se uma perspectiva temporal e relacional, que busca identificar os processos sociais que sustentam os significados envolvidos  no campo da gestão ambiental. A sociedade é considerada um sistema “dinâmico, desordenado e aberto” (BARTH, 2000), constituído pelas interações entre os atores, que produzem “respostas ativas” e próprias às circunstâncias impostas pelas pressões sociais.
            O instrumental metodológico da abordagem antropológica permite “relativizar”, “desnaturalizar”, certos conceitos teóricos usados pelas Ciências Sociais, tais como os conceitos de “natureza”, “cidadania”, “direito ambiental”, “participação”, centrais à análise dos processos de construção do ambiente. Pretende-se compreender a “tradução” de tais conceitos em termos das visões e conhecimentos locais, considerando os processos sociais que afetam a área em estudo e as múltiplas perspectivas de atores diferentemente posicionados, que utilizam tais concepções de acordo com suas tradições culturais e experiências históricas. A vivência dos processos relacionados à implantação da UC e o confronto dos valores locais com aquelas categorias, trazidas no bojo desse processo, faz aflorar as suas capacidades de “criação” e de “improvisação”, adequando tais conceitos aos seus interesses e valores e promovendo, assim, sua “indigenização” (SAHLINS, 1997).

A IDENTIFICAÇÃO DOS PROCESSOS E DOS ATORES SOCIAIS
            A APA de Macaé de Cima pode ser considerada um exemplo dos possíveis e diferentes processos locais assumidos diante do fenômeno global de degradação ambiental e do conseqüente processo de “ambientalização” (LOPES, 2006) da sociedade,  a partir dos anos 1970,  foi configurando o “meio ambiente” como uma questão pública,  originando novos códigos de conduta e regulamentações, para prevenção de “riscos”, definidos por especialistas, legitimados pelo conhecimento científico, que, muitas vezes, não são percebidos enquanto tais pelos atores envolvidos na situação. Foram criadas políticas públicas ambientais (VIEIRA, 2001), baseadas, dentre outros instrumentos, na criação de “áreas protegidas”, para proteger a biodiversidade in situ, realizada, muitas vezes, em espaços “rurais’”, vistos como “naturais”, sem levar em consideração as populações que lá viviam.
            A APA de Macaé de Cima localiza-se na região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo boa parte das nascentes da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé (RJ),  na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, estabelecida pela UNESCO (RAMBALDI, 2003). É considerada pelos órgãos públicos ambientais, orientados por pareceres técnico-científicos, fundamental para a formação de um corredor de biodiversidade na Serra do Mar, que propicie interconexões entre fragmentos menores das serras litorâneas e do Vale do Paraíba, facilitando, assim, a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas (RAMBALDI, 2003). Boa parte desta mata não é mais primária, mas apresenta diversos estágios de sucessão de recomposição, sendo fruto de um longo processo histórico de manejo humano de espécies vegetais e animais. Nas altitudes mais elevadas, nas áreas das nascentes do Rio Macaé, ainda podem ser encontrados remanescentes da Floresta Ombrófila Densa, preservados pelas dificuldades de acesso.
            A bacia do rio Macaé (AMADOR, 2003) abrange uma área de aproximadamente cerca de 1765 km²; é a maior bacia exclusivamente estadual em termos de extensão. Suas nascentes, em grande, parte, estão localizadas no município de Nova Friburgo. Apesar de sua extrema importância ambiental, em termos de riqueza de recursos hídricos, biodiversidade e geodiversidade, vem sofrendo sérias ameaças à sua preservação, pois nela coexistem uma demanda crescente por recursos hídricos e intensas pressões antrópicas sobre as áreas marginais dos cursos d’água, que podem afetar a qualidade e a quantidade da água disponível.  Sua gestão requer grande complexidade e visão sistêmica, pois envolve vários municípios, diferentes realidades socioambientais e diversos tipos de usos do solo, como as áreas das nascentes do Rio Macaé, na Região Serrana, e a zona de planícies costeiras e estuarina, onde predominam as áreas urbanas e existem grandes empresas instaladas na cidade de Macaé e preocupadas em garantir a qualidade e a quantidade de seus recursos hídricos, como a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e as Usinas Termoelétricas Norte Fluminense e Mário Lago. Macaé concentra 85% da produção petrolífera nacional e 47% da produção de gás, extraídos da Bacia de Campos, ocupando cerca de 46 mil pessoas; sua economia cresceu 600% nos últimos dez anos[6]. Atualmente, as águas do rio Macaé também são usadas, principalmente, para o turismo, esporte e lazer, para a irrigação, para a geração de energia elétrica, bem como para a diluição de despejos domésticos, industriais e agrícolas, o que causa sua degradação. Um dos grandes desafios da gestão da Bacia do Rio Macaé é evitar que os interesses das zonas urbanas, politicamente mais poderosas em termos econômicos e populacionais, não predominem sobre os interesses da Região Serrana,  relativamente menos poderosos, porém, determinantes para a manutenção da quantidade dos recursos hídricos da Bacia, pois são as áreas produtoras de água.
            O alto da Bacia do Rio Macaé, desde o século XIX, foi ocupado por pequenos e médios agricultores familiares, muitos descendentes dos imigrantes suíços e alemães “colonizadores” de Nova Friburgo, que para lá se deslocaram, em busca de terras mais favoráveis ao cultivo do café, já praticado em larga escala nas regiões vizinhas. Desenvolveram uma pequena e média agricultura de base familiar, dedicada à cafeicultura, à produção de subsistência e à criação de bois, aves e porcos (MEYER e ARAÚJO, 2003). Com a decadência do café, nos anos 1930/40, passaram a ser cultivados o inhame e a banana; muitas áreas antes produtivas foram abandonadas, permitindo seu reflorestamento, ou foram transformadas em pastagens. A abertura de estradas de terra, no final dos anos 1950, facilitou o acesso à sede do município,  antes feito por trilhas para cavalos ou burros. Os agricultores passaram, então, a cultivar tomate, pimentão, batata, inhame, banana, dentre outros, numa região que, até os anos 1980, era incluída no chamado “cinturão verde”, que abastece a área metropolitana do Rio de Janeiro (MUSUMECI, 1987). 
            O relativo isolamento foi rompido, nos anos 1980, pela pavimentação asfáltica da rodovia RJ-142, trecho Muri-Lumiar, e pela eletrificação da maior parte da região; estimulando o início do desenvolvimento turístico. Em 2006, o trecho Lumiar-Casimiro de Abreu da rodovia RJ-142 -  Estrada Serramar -  foi asfaltado. Desde  então, iniciou-se intenso e acelerado processo de transformações sociais, econômicas, culturais e espaciais. Além dos turistas, chegaram novos moradores, fugindo dos centros urbanos e em busca de “formas alternativas” de vida. As atividades agropecuárias foram sendo gradualmente substituídas por atividades ligadas ao turismo, à construção civil, à prestação de serviços e ao comércio, como principais fontes de renda para seus antigos moradores, que, “de lavradores se tornaram cortadores de grama” (SÁ REGO, 1988). Muitos agricultores procuraram combinar as tradicionais com as novas oportunidades de renda e trabalho, constituindo unidades familiares que se caracterizam pela pluriatividade (CARNEIRO, 1998). 
            O crescimento populacional e a vinda de novos moradores de origem urbana redefiniram os processos de ocupação e de uso do solo; a especulação imobiliária provocou a fragmentação das propriedades e uma transferência parcial da propriedade da terra. Muitos imóveis alteraram suas funções agrícolas para se tornarem residências, sítios de veraneio ou pousadas, locais de consumo e de “contemplação da natureza”, em vez de produção, gerando novos valores e configurações territoriais. Desenvolveu-se um novo modo de regulação das formas de consumo da natureza, associado ao espaço rural (MATHIEU e JOLLIVET, 1989), que se soma à ‘apropriação utilitária’, feita pelos produtores rurais; instaurou-se um usufruto ‘desinteressado’, informado pela sensibilidade artística ou pela compreensão científica (CHAMBOREDON, 1985), muitas vezes conflitante com os valores tradicionais locais. Configuraram-se, assim, novas “ruralidades”, desencadeando o surgimento de outras concepções sobre o “rural”, que não é mais necessariamente agrícola.
            Os processos de diferenciação e hierarquização social se acentuaram, em comunidades antes marcadas por relações de parentesco ou vizinhança. Constituíram-se novos ordenamentos nas relações sociais, expressos por mudanças nos modos de ser, viver e pensar de suas populações locais originais: pequenos produtores rurais, cuja identidade era garantida pelo compartilhamento de um modo de viver e, atualmente,  é influenciada pela e na interação com os turistas, com os novos moradores e com os agentes das instituições do mundo urbano industrial. Foram introduzidos hábitos, valores e tradições culturais, que passaram a interagir com os valores, costumes e saberes locais; formaram-se dois grandes grupos, segundo a percepção local: os “de fora” e os “do lugar”, cujas interações envolvem diferentes padrões de relações sociais, desde o conflito aberto, devido à intolerância de ambas as partes, à convivência profícua e respeitosa, que proporciona troca de saberes e crescimento mútuo.
         Também ocorreram impactos ambientais em áreas já degradadas por técnicas agropecuárias tradicionais, baseadas na queimada, no cultivo e na criação de animais em encostas e margens dos rios e no uso indiscriminado de agrotóxicos. Aumentaram os desmatamentos realizados para construção de imóveis e abertura de estradas, intensificando os processos erosivos das encostas e de assoreamento dos cursos d’água, crescentemente poluídos com esgotos e resíduos sólidos e que já vêm apresentando diminuição no seu volume hídrico.
            Por outro lado, a importância dos recursos hídricos e da biodiversidade da região despertou o interesse de organizações não-governamentais “ambientalistas”, governos e grandes empresas, provocando a introdução de várias novas regulamentações exteriores, relacionadas à “preservação ambiental” e ao “desenvolvimento sustentável”. O discurso ambientalista, veiculado pelos “novos” moradores e pelos meios de comunicação, ganhou destaque. Além disso, a partir dos anos 1990, os órgãos públicos ambientais passaram a intensificar a fiscalização e a multar, principalmente, os pequenos agricultores, muitas vezes de forma agressiva e autoritária, segundo relatos locais.  Em 2001, foi criada a APA em estudo. Estas novas regulamentações, valores e conhecimentos em interação com as tradições culturais locais vêm provocando o surgimento de intensos conflitos, relativos aos múltiplos interesses envolvidos.
            A transformação de uma região em “área de proteção ambiental”, ou em qualquer outro tipo de UC, implica uma alteração das formas de apropriação simbólica da natureza e a introdução de novos usos sociais do espaço (CHAMBOREDON, 1985), definidos pela interação de múltiplos agentes. Longe de ser definida por critérios “naturais”, uma UC é um “artefato cultural” (BARRETO, 2001), um “construto socionatural”, “instável e indeterminado”, “síntese entre natureza e cultura”, definido num dado contexto histórico, a partir de uma correlação de forças, orientada por critérios técnico-científicos dominantes. É uma regulamentação que impõe a visão do Estado (mais moldada pelas populações urbanas) de natureza e de ambiente, estabelecendo normas para o seu uso, diante da função ambiental atribuída a certas áreas, em nome de um “patrimônio coletivo”, por sua suposta importância “natural”, definida por “critérios científicos”. Esta visão pode entrar em choque com as necessidades e saberes locais, desqualificar as formas tradicionais de relação com a natureza e buscar substituí-las por outras, sem considerar o papel das populações rurais na formação dessa “natureza” (MATHIEU e JOLLIVET, 1989) e sua visão da terra como um espaço produtivo, de obtenção da sobrevivência. Isso aconteceu na criação da APA de Macaé de Cima.
            No entanto, a Lei do SNUC, seguindo o espírito da Constituição brasileira de 1988, estabelece que a criação e a implantação das UCs deve ser feita de forma participativa e que sua gestão pública e democrática, deve ocorrer por meio da constituição de conselhos (deliberativos ou consultivos),  que  incluam representantes do Poder Público, da sociedade civil organizada e dos atores econômicos. Estes conselhos, junto com outros instrumentos de gestão baseados na participação popular, são novos canais de participação, vistos com potencial para ampliar e consolidar a consciência crítica, a democracia e a cidadania (GOHN, 2001). Foram introduzidos pela Constituição Federal do Brasil, de 1988, elaborada no contexto de redemocratização do país, após o longo período ditatorial, com ativa participação dos movimentos sociais, de instituições e de associações da sociedade civil organizada. A Lei Magna instituiu os princípios da gestão descentralizada (municipalização), democrática e participativa, e a possibilidade da criação de organismos consultivos ou deliberativos, visando incluir setores mais amplos nos processos de discussão, decisão e elaboração das políticas públicas. No entanto, sua criação também expressa uma transformação da tradicional modalidade de “comando e controle” praticada pelos governos, no contexto do Globalismo (IANNI,1997) e da política econômica neoliberal.  Busca estabelecer novo tipo de relação governo-sociedade, instituindo “parcerias”, dividindo responsabilidades e criando instrumentos de participação “concedida” (BORDENAVE, 1994), mecanismos de governança (COZZOLINO, 2005), baseados no “envolvimento” e no “empoderamento” da sociedade, recomendados pelos organismos multilaterais internacionais, a partir do “fracasso” das experiências socialistas e da eclosão dos movimentos sociais, no final do século XX (LOPES, 1997).
            Além dos Conselhos das APAs, a região em estudo vem sendo afetada por muitos fóruns e processos com proposta participativa, tais como: os planos diretores do desenvolvimento urbano municipais, aprovados em 2006; as Agendas 21 municipais e locais; a Agenda 21-COMPERJ; na área da APA de Macaé de Cima, o Arranjo Produtivo Local (Governo estadual, Sebrae e órgãos locais); Conferências municipais, regionais, estaduais e nacionais de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Rural Sustentável, dentre outras; Conselhos municipais de Meio Ambiente; Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Macaé e das Ostras...Todos esses processos vêm introduzindo novas regulamentações, saberes e valores no cotidiano dos grupos envolvidos, que respondem de formas diversificadas, de acordo com suas respectivas experiências históricas e tradições culturais, gerando confrontos entre os múltiplos atores em defesa de seus respectivos interesses.

A PARTICIPAÇÃO DOS PRODUTORES RURAIS NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA APA DE MACAÉ DE CIMA
            Apesar de ter sido criada em 2001, a composição do Conselho Consultivo da APA de Macaé de Cima só foi definida pelo decreto nº 38234, de 2005 e ele só começou a se reunir em 2006. Durante o ano de 2006, as reuniões bimestrais do Conselho, presidido pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA)- órgão encarregado da fiscalização, controle e licenciamento ambiental no Estado - foram marcadas por manifestações do conflito latente existente na região entre dois grandes grupos: os “de fora” e os “do lugar”, “da terra”, envolvendo o confronto entre diferentes valores, interesses e forças que constituem o meio sócio-ambiental local.  Os principais atores do conflito eram, por um lado, o então órgão gestor da APA e o autodenominado “Grupo Pró-APA de Macaé de Cima”, formado pelos “novos” moradores e ambientalistas, e, por outro lado, os “pequenos produtores rurais”, que não aceitam a criação desta UC. . Assumindo a identidade de “população tradicional” e a luta em defesa do “direito de decisão” em relação às suas propriedades e ao território por eles ocupado há muitas gerações, estes demonstram preocupação com sua sobrevivência, pois consideram que as novas leis ambientais inviabilizam a reprodução de sua condição de produtores rurais.
            Um dos principais pontos de discórdia é a problemática da queimada, no contexto do discurso relativo às mudanças climáticas, em que ela é responsabilizada pela emissão dos gases estufa, bem como pela redução da biodiversidade e empobrecimento dos solos, constituindo-se num dos principais focos da ação punitiva dos órgãos de fiscalização ambiental. Técnica tradicional de cultivo das regiões tropicais, praticada há inúmeras gerações, é por eles considerada como a maneira menos cansativa para se limpar o terreno em áreas de encostas, e tem sido responsável pela destruição de muitas matas ciliares. Os conflitos entre os pequenos produtores rurais dessa região e os órgãos fiscalizadores já se manifestavam antes mesmo da criação da APA (ROZEMBERG, 2004), diante da ação truculenta e autoritária do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) e do Batalhão Florestal - orientados pelo Código Florestal e pela Constituição de 1988, que define a existência das áreas de preservação permanentes (APP)-  responsável inicial pela rejeição ao discurso ambientalista, agravada pela criação da APA de Macaé de Cima, vista por eles como um “ato autoritário e realizado sem consulta à população local”.
            É interessante observar que a categoria “populações tradicionais” (SANTILLI, 2005) assumiu, no caso em estudo, uma dimensão política estratégica, pois foi acionada no processo de confronto e luta desse grupo pela construção e afirmação de sua identidade pública, específica, em oposição à sociedade mais ampla. Os agricultores da região da APA de Macaé de Cima procuram obter seu reconhecimento oficial como uma “população tradicional”, o que lhes garantiria “direitos”  no uso de suas propriedades, segundo as novas leis[7]. Para eles, ser “da terra” lhes possibilitaria uma posição privilegiada quanto ao direito de decisão em relação ao meio ambiente local. Assumiram também a categoria “rural” como suporte de sua identidade, definidora de seu lugar próprio no mundo social. Organizaram movimentos reivindicatórios junto aos representantes políticos dos legislativos municipais e estaduais; criaram um movimento social - a “União das Famílias da Terra (UFT)” - e moveram ação junto ao Ministério Público contra o governo estadual, pedindo o fim da APA. No segundo semestre de 2008, foram espalhados pela região, principalmente no 5º distrito, placas e adesivos da UFT, que se apresenta como “a voz da população tradicional”. Eles vêm constituindo-se, assim, como ator coletivo reconhecido, em busca da afirmação do que consideram ser seus direitos de cidadania, mudando sua relação com os outros grupos da sociedade e redefinindo o rumo da ação governamental.
            Novas perspectivas se delinearam para a efetiva implantação da APA de Macaé de Cima, após a mudança de governo estadual, em 2007, que redefiniu as políticas públicas ambientais e a atuação dos órgãos de gestão e fiscalização ambiental, orientados por uma  visão mais ligada ao socioambientalismo (SANTILLI, 2005): concepção que defende o envolvimento das populações na conservação da biodiversidade, ao contrário da postura preservacionista anterior, que desconsidera as populações e os interesses humanos. Durante o segundo semestre de 2007, intimado pelo Ministério Público e no bojo do Programa de Fortalecimento dos Conselhos de UCs administradas por ele, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) realizou três oficinas (em São Pedro da Serra, Galdinópolis e Boa Esperança), financiadas pelo Projeto de Proteção à Mata Atlântica (PPMA/KFW), fruto de parceria entre o Brasil e a Alemanha, no segundo semestre de 2007, com o intuito de produzir um Diagnóstico Rápido Participativo e recompor o Conselho Consultivo da APA,  procurando adequá-lo aos interesses locais. No entanto, os membros da UFT se recusaram a participar das oficinas e pressionaram os outros moradores “da terra” a não comparecerem. Além disso, foram promovidas duas audiências públicas, comandadas pela Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, para discutir o problema dos produtores rurais, sua relação com a APA e buscar soluções que conciliassem seus interesses e as normas ambientais, na elaboração do Plano de Manejo e do Zoneamento desta UC. Paradoxalmente, a UFT não quis formalizar a existência de seu movimento, transformando-o numa associação oficial, que poderia participar do Conselho Consultivo da APA; mas aproveitaram a estrutura da Ação Rural de Lumiar, para viabilizar sua organização e comunicação. Atualmente, seus membros estão debatendo sobre a possibilidade de sua participação no Conselho,  formalizando a UFT ou por meio de outras associações, como Associações de Moradores. A disputa em relação à APA foi acentuada em contexto de eleição municipal, em que a UC foi um ponto essencial das campanhas entre os  candidatos locais à  Câmara Municipal e, mesmo, à Prefeitura Municipal de Nova Friburgo (PMNF).
            A PMNF destacou-se por sua omissão na gestão ambiental e é contrária à  APA de Macaé de Cima, por considerar que esta inibe o desenvolvimento econômico municipal. Alega que a preservação dessa região já está garantida pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Municipal, que, no entanto, ainda não “saiu do papel”. Em 1990, a PMNF havia criado a reserva ecológica de Macaé de Cima, ocupando cerca de 7.000ha  (Decreto Municipal 156/1990), depois revogada.  Foi esta postura ambígua do poder público municipal que desencadeou, em 2001, a iniciativa de “novos” proprietários das localidades de Macaé de Cima e Rio Bonito, que pressionaram o então governador do Rio de Janeiro para a criação de uma UC estadual, menos sujeita às oscilações dos interesses municipais. No entanto, a criação dessa UC foi realizada sem consulta pública, exigida pela Lei do SNUC, e com total desconhecimento da enorme maioria dos moradores da região.
             Somente em Junho de 2008, a equipe do IEF retomou os trabalhos de reconstrução do Conselho Consultivo, abrindo inscrições para as instituições que quisessem participar. Em Setembro de 2008, foi realizada nova reunião, quando foram apresentados os resultados do diagnóstico rápido participativo, obtidos nas oficinas realizadas em 2007 e, em Novembro de 2008, ocorrerá a reunião para definir a nova composição do Conselho Consultivo.
            Os agricultores não compreendem porque devem pagar os custos dos impactos ambientais causados pelos “outros”, moradores de regiões urbanas e industrializadas. Eles se sentem “injustiçados”, “punidos, por terem preservado as matas na região”, enquanto “o resto do mundo destruía a natureza”, pois estão lá, plantando, há mais de cem anos, e, graças ao seu sistema tradicional de cultivo,  baseado no pousio, são os responsáveis pela presença das matas na região. O conflito também se manifesta por uma suposta oposição de “classe”, porque os agricultores se colocam como “pobres”, “pequenos proprietários” em oposição aos “ambientalistas” e “novos moradores”, vistos como “ricos”, detentores de recursos financeiros, materiais e políticos. Mas boa parte desses agricultores possui poupanças expressivas, constituindo uma “classe média” rural, numa região relativamente próspera.
            Por sua vez, muitos membros do “Grupo Pró-APA” consideram-nos “atrasados” e “anti-ambientalistas” e afirmam que suas resistências estão sendo estimuladas por interesses  mais amplos, desqualificando seu potencial de luta, conforme visão preconceituosa dominante que desqualifica o morador da zona rural, visto como “ignorante”, “atrasado”, dominado por “superstições” e pelo “fatalismo” religioso. No entanto, estes “agricultores” vêm constituindo-se enquanto novos atores políticos, lutando por seus interesses e acionando aquelas que geralmente são consideradas “práticas ativas de cidadania”, em nome de seus “direitos”. Conseguiram, desta maneira, impedir a continuidade do processo de implantação da APA de Macaé de Cima, tal como vinha sendo conduzido pelo órgão gestor estadual, e estão buscando adequá-lo aos seus interesses e perspectivas. Assim, aquilo que estava sendo encarado pelos “defensores do meio ambiente” como “conservadorismo” e “falta de consciência ambiental” dos agricultores revelava, na verdade, uma visão “preconceituosa”, desconhecedora dos seus interesses e visões. Eles vivenciaram a seu modo o processo de ambientalização, promovendo uma indigenização (SAHLINS, 1997) do discurso político e ambiental dominante, adequando-o às suas necessidades e interesses. Os “produtores rurais” da APA de Macaé de Cima desenvolveram práticas características do que se considera ser uma “cidadania pró - ativa”, pois conseguiram impedir o processo de implantação da APA tal como vinha sendo efetivado, buscando redefini-lo segundo suas perspectivas. No entanto, apesar de sua causa ser legítima, ela também vem sendo manipulada por interesses ligados à especulação imobiliária e à construção civil e por divergências políticas entre os governos estadual e municipal.
            Evidenciou-se, assim, a complexidade do conceito teórico e da categoria política  cidadania, relacionada aos seus múltiplos sentidos, assumidos em cada situação concreta, pois o que um determinado grupo considera ser seu “direito”, ou entende por “cidadania” e “participação”, pode ser diverso da visão de outro grupo. A cidadania envolve uma dimensão simbólica, relacionada a valores e significações socialmente estabelecidos; refere-se à identidade social dos indivíduos, constituída por suas interações com o Estado e com os outros atores sociais. A partir de um significado dominante geral, na prática, ela pode assumir diferentes formas e conteúdos, sendo retraduzida pelos diferentes grupos, conforme suas posições sociais, tradições culturais e experiências históricas de participação social e política.

CONSIDERAÇÔES FINAIS
            O sucesso da implantação da APA de Macaé de Cima depende da efetiva inclusão dos atores locais organizados no seu Conselho, que deve assumir um caráter deliberativo e, não somente, consultivo, para se constituir num instrumento de emancipação e de construção de autonomia e não num mecanismo de controle da participação popular. Para isso, são necessários processos dialógicos de Educação Ambiental, que sensibilizem a população para a necessidade da conservação ambiental e lhes forneçam os instrumentos necessários (códigos, ferramentas e informações) à sua prática participativa autônoma. 
            Além disso, a elaboração do Plano de Manejo deve efetivamente procurar articular uma rede sociotécnica, envolvendo troca de saberes entre os atores locais e os gestores dos órgãos ambientais, considerando os valores e interesses dos primeiros, além dos critérios técnicos e científicos,  na definição das ações e regulamentações implementadas.  É fundamental o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à oferta de alternativas de geração de renda, sob uma perspectiva sustentável, como as diferentes técnicas de agroecologia (sistemas agro-florestais, agricultura orgânica, etc), cultivo de ervas, diversas modalidades de turismo (ecoturismo, turismo rural, turismo de aventuras, geoturismo),  envolvendo capacitação da mão de obra e oferta de subsídios técnicos e financeiros. Também devem ser criados e aplicados na região instrumentos econômicos indutores de conservação ambiental, tais como pagamentos pelos serviços ambientais relativos à produção de água, mecanismos relativos ao mercado de carbono e o ICMS verde.
            A análise dos processos envolvidos na implantação das APAs em estudo pode ser um importante subsídio para a gestão participativa de outras UCs, que deve enfrentar o grande desafio de considerar os anseios e perspectivas das populações que nelas residem, principalmente aquelas ligadas à pequena produção agrícola familiar, geralmente, desvalorizadas e marginalizadas pelas políticas públicas. Além disso, o êxito de qualquer experiência de implantação de UC depende da efetivação de possíveis alternativas de atividades geradoras de trabalho e de renda para as populações envolvidas, mas que estejam de acordo com suas aspirações e valores culturais, assim como com a legislação ambiental. No entanto, enquanto o Estado brasileiro for caracterizado pelo autoritarismo (explícito e implícito), por práticas clientelísticas e pela defesa dos interesses privados, existirão muitos obstáculos para uma participação popular efetivamente democrática, nos diferentes níveis e instâncias da vida social, possibilitadora da construção de uma sociedade sócioambientalmente justa.


[1] Socióloga, Professora da UCAM-Nova Friburgo e da rede pública-RJ; Mestre em Educação (PUC-RJ) e Doutoranda do PPGMA - UERJ
[2] A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC - Lei nº 9.985/2000) estabelece dois grupos de unidades de conservação: o grupo de unidades de proteção integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio da Vida Silvestre), em que só é permitido o uso indireto dos recursos naturais) e  o grupo das unidades de uso sustentável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural), que têm como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos naturais. A Área de Proteção Ambiental é definida como “uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais, especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”, podendo ser constituída por terras públicas ou privadas.
[3] A pesquisa intitula-se “Paraísos perdidos ou preservados? A conquista da cidadania em áreas de proteção ambiental”, orientadora: Rosane M.Prado e co-orientadora: Mariza C.Rocha.
[4]Um cidadão com capacidade de vigiar e participar na instrumentação das políticas públicas e com um projeto próprio para alcançar uma manipulação de recursos naturais mais racional e eqüitativo, e um entorno mais “habitável”, comprometido com a ‘planetariedade’” (GUTIEERREZ E PRADO, 2002, p.16).

[5] As UCs devem ser criadas precedidas de consulta pública e  devem possuir um conselho gestor, com caráter consultivo, no caso de UC de proteção integral, segundo a Lei do SNUC,  ou com caráter consultivo ou deliberativo, segundo o Artigo 17º do  Decreto nº 4.340/2002, que regulamenta a Lei do SNUC.

[6]  Dados obtidos no site da Prefeitura Municipal de Macaé: www.pmmacae.gov.br; acesso em 10/08/2008.

[7] Lei da Mata Atlântica – Lei n º 11.428/2006 – e Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais –Decreto nº 6.040/2007.
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADOR, A. B. Qualidade das águas da bacia do alto Rio Macaé, Nova Friburgo-RJ. 2003. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.
BARRETTO FILHO, H. T. Da nação ao planeta através da natureza: uma abordagem antropológica das unidades de conservação de proteção integral na Amazônia brasileira.  Tese de doutorado.  São Paulo: USP/PPGAS/FFLCH, 2001.
BARTH, F. (Org. Tomke Lask). O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro, Contracapa, 2000.
BORDENAVE, J.C. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CARNEIRO, M. J.. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro de 1998.
CASTORIADIS, C. e CONH-BENDIT, D. Da ecologia à autonomia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CHAMBOREDON, J.C. La ‘naturalisation’ de la campagne: une autre maniére de cultiver les ‘simples’. In: CADORET, A. Protection de la nature: histoire et idéologie. Paris, L’Harmmatan, 1985.
GOHN, M. da G. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. São Paulo:Cortez, 2001.
GUTIÉRREZ, F. e PRADO, C. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo: Cortez, 2002.
INGOLD, T.  “Culture, nature, environment: steps to an ecology of life” e “Building, dwelling, living: how animals and people make themselves at home in the world”. In:_______ The Perception of the Environment: Essays in Livelihood, Dwelling and Skill. London: Routledge, 2000.
LOPES, J. S.L. Sobre processos de “ambientalização” dos conflitos e sobre dilemas da participação.  Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 12, n.25, jan./jun., 2006.
MATHIEU,N. e JOLLIVET, M. (Orgs). Du rural à l’environnement: la question de la nature aujourd’hui. Paris, L’Harmmatan, 1989.
MAYER, J.. e ARAÚJO, J. de. Teia serrana: formação histórica de Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2003. 
MORIN, E. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO, G. (org.) Ensaios de complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997.
MUSUMECI, L.. Pequena produção e modernização da agricultura: o caso dos hortigranjeiros no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1987.
RAMBALDI, D.M. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CNRBMA, 2003.
REGO, V. V.B.S. Mundos em confronto: o desenvolvimento do capitalismo e a educação numa comunidade camponesa. Dissertação de Mestrado, PUC/RJ, 1988.
_____________________. Algumas reflexões sobre um Conflito na Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima. II SAPIS. Rio de Janeiro, Programa Eicos/UFRJ, 2006.
ROZEMBERG, B. Conflito entre interesses agrícolas e ambientalistas nas localidades rurais de Nova Friburgo,Rio de Janeiro. In: MINAYO, M.C. de S. e COIMBRA JR, C.E.A. (orgs). Críticas e Atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
SAHLINS, M..O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção( parte I). Mana 3/2 (Estudos de Antropologia Social), abril/97. Rio de Janeiro: PPGAS/Museu Nacional, UFRJ/Ed. Contracapa, 1997.
SANTILI, J. Socioambientalismo e novos direitos.Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. Brasília: IEB, 2004.
VIEIRA,L. Os argonautas da cidadania: A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.